Sempre que me perguntam porque Deus deixa acontecer coisas ruins com pessoas "inocentes"; costumo responder esta questão usando uma frase de Baruch Spinoza: “As coisas nos parecem absurdas ou más porque delas só temos um conhecimento parcial e estamos na completa ignorância da ordem e da coerência da natureza como um todo. ”

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Despecabilizando o Pecado

“No mundo todo havia apenas uma língua, um só modo de falar. Saindo os homens do Oriente, encontraram uma planície em Sinear e ali se fixaram.
Disseram uns aos outros: "Vamos fazer tijolos e queimá-los bem". Usavam tijolos em lugar de pedras, e piche em vez de argamassa.

Depois disseram: "Vamos construir uma cidade, com uma torre que alcance os céus. Assim nosso nome será famoso e não seremos espalhados pela face da terra". O Senhor desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo.

E disse o Senhor: "Eles são um só povo e falam uma só língua, e começaram a construir isso. Em breve nada poderá impedir o que planejam fazer.

Venham, desçamos e confundamos a língua que falam, para que não entendam mais uns aos outros".

Assim o Senhor os dispersou dali por toda a terra, e pararam de construir a cidade. Por isso foi chamada Babel, porque ali o Senhor confundiu a língua de todo o mundo. Dali o Senhor os espalhou por toda a terra.” Gênesis 11: 1-9

Este texto sempre me vem à mente, quando me deparo com questões e discussões sobre as quais não conseguimos mais chegar a um denominador comum hoje em dia. Aliás, os denominadores parecem pertencer exclusivamente a determinadas classes e militâncias. 

Estamos a viver uma geração de "entendidos", pessoas que se recusam a ouvir "não", cheias de certezas e pouco interesse para aprender, a não ser aquilo que reforça seus argumentos. Uma geração de "despecabilizadores".

Devo confessar que criei esse neologismo inspirado em um áudio de alguém tão indignado quando eu mesmo, mas ele usava uma palavra um pouco ofensiva e que não caberia repetir neste texto. Por isso, tomei a liberdade de reproduzir um trecho da sua fala, substituindo essa palavra: 

“Despecabilizando o pecado: Vivemos uma geração incapaz de fazer uma autocrítica, de reconhecer defeitos, incapaz de ouvir “não”! Por isso, a aversão à Bíblia, porque lá pecado é pecado e ponto final. A lei é boa e o ser humano é ruim, ponto. Mas a geração “despecabilizadora” muda a lei para que o homem seja bom, mesmo cometendo o pecado...”

Não poderia concordar mais com ele. Diferentemente do texto bíblico citado, não estamos a nos entender hoje, ainda que falando o mesmo idioma: uma Babel às avessas”.

Conseguimos entender povos de diferentes nações, mas perdemos a capacidade de compreensão, mesmo quando estamos dentro de uma mesma família.

Estamos prontos a questionar e, em muitos casos, passamos horas a discutir assuntos e terminamos sem chegar um acordo. Aqueles que observam com atenção, percebem que, muitas vezes, os dois lados defendem o mesmo posicionamento, compartilhando a mesma opinião, mas se expressando de maneiras diferentes.

A impressão que tenho hoje é de que a questão colocada não tem tanta importância quando o poder por trás de cada posicionamento e o quanto ele favorece interesses de uma minoria.  

Nunca sentimos tanto a necessidade de conhecer a diferença entre “ouvir” e “escutar”, pois hoje muitos acreditam que possuem o mesmo significado, justamente porque apenas ouvem, mas nunca escutam.

Os jovens criaram um termo para pessoas assim: “turma da lacração”. Para quem não sabe, são aqueles que vivem em torno de controvérsias, que buscam polemizar tudo e, com isso, acabam manipulando o sentido de tudo que é colocado.

A situação ficou tão séria que acabamos com reputações sem mesmo "escutar" as pessoas envolvidas. Aqueles que ainda compartilham o bom senso sentem-se limitadas na manifestação de suas opiniões para não sofrerem ataques que, infelizmente, acontecem com frequência, a não ser quando a situação favorece a "militância" que criou a polêmica.

As opiniões não possuem poder de lei, constituindo apenas uma forma como entendemos determinadas situações. Para as pessoas moderadas, podemos mudar de ideia, quando nos deparamos com explicações contrárias, mas plausíveis.

"Solte Barrabás! Crucifique Jesus!". Essa era a voz de uma multidão manipulada por sacerdotes da época para condenarem Jesus. O povo se rendeu à manipulação e gritaram: "Solte Barrabás! Crucifique Jesus!" . Podemos ler isso em Marcos 15: 11-15.

Soltamos um criminoso e sentenciamos à morte o Filho de Deus. Certamente estamos falando do ápice da manipulação, mas não se enganem: ao cometer esse tipo de injustiça nos dias de hoje, estamos menosprezando o sacrifício de Jesus.

"Despecabilize o pecado! Crucifiquem os que pensam diferente!" Esse é o grito de ordem desta geração que, embora não o verbalize, fazem muito pior: estão a viver dentro desse conceito.

Estamos a colocar de lado o ideal de moral descrita na Bíblia, que é respeitada até por incrédulos. Esse ideal que nos tem guiado por décadas está sendo rapidamente substituído por uma prática de mentiras criadas por militantes “despecabilizadores”.

Esses não querem te escutar. Apenas ouvem e rapidamente descarregam suas “certezas” como verdades absolutas, sem dar qualquer margem a dúvidas e qualquer intenção de ponderá-las.

O fato é que estamos a nos afastar da moral que nos guia e que sempre nos livrou de catástrofes morais. Até mesmo incrédulos tinham como princípios tudo aquilo que conhecemos como certo e errado.

A Palavra de Deus através da Bíblia, como ela mesma se descreve no livro de Salmos 119: 105, sempre foi essa fonte de moral a nos guardar e manter até os dias de hoje: “Lâmpadas para meus pés é a tua palavra, e luz para meus caminhos”.

Estamos a viver tempos em que os “despecabilizadores” tentam apagar essa luz, mas a Palavra de Deus é eterna e não muda.

“Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til jamais passará da lei, sem que tudo seja cumprido. Qualquer pois, que violarem destes mandamentos, por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado de menor no reino dos céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus." Mateus 5:18,19.

Talvez convenha entender que seria mais honesto assumir que, apesar de tudo que a Palavra de Deus nos diz e alerta, ainda assim muitos preferem arriscar na escuridão ou no engano de outras “luzes”. Convém analisar se o que falta não é coragem para viver com as consequências ao invés de tentar afagar o ego na tentativa de “despecabilizar” o pecado.


Texto: José Luiz

Revisão: Ricardo Cano